Recebi recentemente o contato da Patrícia, aluna do curso de Moda da Universidade São Judas Tadeu de são Paulo. Ela me "achou" por aqui, e me enviou algumas questões referentes a tribo urbana e moda. As questões foram elaboradas da forma como se apresentam abaixo. Respondi com prazer, pois a palavra sempre me revigora!
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1 O que a moda representa na nossa sociedade?
Entendo a moda contemporânea como um fenômeno que lança luz sobre o espírito do nosso tempo, marcado por contradições de todas as ordens, das quais destaco:
a) Globalização e glocalização;
b) Individualismo exacerbado e ascensão de comunidades (tribos urbanas, comunidades virtuais);
c) Coisificação do corpo e tomada de consciência da corporeidade;
d) Estereótipos e padronização da aparência e democratização da moda.
Explico. Desde as décadas de 1980 e 1990 muito tem se falado sobre a globalização da cultura, da economia e da sociedade, assegurada sobretudo por políticas de cunho neoliberal. A globalização desconhece fronteiras e particularismos, mas com ela surge também, como que num processo dialético, a glocalização que corresponde à valorização dos regionalismos e das particularidades culturais de países e regiões.
Quanto ao individualismo, podemos dizer que há muito, perdeu-se a noção do todo. O individualismo em todas as suas manifestações tem repercutido no predomínio do egoísmo que compromete o bem estar social. Mas, como se cansados da solidão, vemos nascerem a cada dia tribos urbanas, comunidades de interesse, comunidades virtuais, que de alguma forma resgatam a troca (ideológica, estética, psicológica, existencial).
No que se refere ao corpo, sabemos também que desde a década de 80 o corpo “perde”seu status biológico assumindo a posição de objeto, passível de ser modificado, transformado, vendido, qualificado, desqualificado, amado e odiado. Se por um lado essa modificação teve um aspecto mercadológico indiscutível, podemos dizer que concomitantemente a isso tem ocorrido a posse do mesmo corpo por sujeitos livres para aderirem à arte do corpo (tatuagem, piercing) e às modificações corporais (body modification) por exemplo, como manifestações de sua corporeidade, ou seja de um corpo que pensa, questiona, reflete, reivindica, que tem autonomia.
Finalmente, no que tange à padronização e democracia da moda, penso que hoje temos o privilégio de sermos iguais se assim o quisermos, e de sermos diferentes sem sermos excluídos. E isso é fantástico. Do ponto de vista prático, a moda hoje passa por um dos seus momentos mais interessantes por assumir a diversidade, de formas, cores, texturas, conceitos e, como não poderia ser diferente, de consumidores de moda. O mimetismo parece não prevalecer e a insistência na vitimização do individuo no que diz respeito à ditadura da moda corresponde a um arcaísmo pouco justificável.
2 Qual o motivo das pessoas se identificarem e buscar um estilo próprio dentro das tribos? A senhora acha que seja uma questão de sobrevivência, segurança?
O ser humano tem um instinto gregário, não se satisfaz com a solidão. A alteridade é imprescindível para sua humanização. É através do outro que o individuo se constitui. Nesse sentido, penso que as tribos urbanas são apenas indivíduos agregados a partir de uma teatralidade que envolve gestos, indumentária, linguagem, produções simbólicas. Inserido em uma tribo, o indivíduo se fortalece e se sente inserido no todo. Vejo as tribos urbanas como algo natural e que responde, à sua maneira, ao individualismo exacerbado que empobrece e enfraquece ainda mais um ser que nunca foi forte ao ponto de prescindir do outro.
3 Quais os aspectos positivos e negativos de seguir um determinado estilo; punk, hippie, clubbers...
Penso que se o indivíduo participa de uma tribo urbana por convicção, por ideologia, e adere com paixão à sua configuração estética, ética, política e cultural, não há nenhum prejuízo no processo de solidificação de sua identidade. Contudo, se o que motiva a participação do individuo em uma tribo é apenas fragilidade estética, ética, política e cultural sua aderência ao grupo não vai assegurar o que ele precisa. Talvez isso explique a existência de tribos urbanas violentas, neonazistas, preconceituosas.
Os hippies e os punks na sua origem tiveram um papel subversivo, ideológico e cultural muito importante. Cada um a seu tempo e à sua maneira contestaram a hipocrisia e a marginalização sócio-econômica com originalidade e sobretudo com bases reflexivas bastante claras. Os clubers por sua vez, deram leveza e cor principalmente aos anos 80, década marcada pela apatia ideológica. Aqui, indiscutivelmente, temos uma tribo marcada pela teatralidade a que me referi anteriormente. E penso que a teatralidade, a ludicidade e a fantasia de maneira geral são relevantes na concepção de formas alternativas de se inserir no todo.
4 No seu ponto de vista quais as tendências dessas tribos para os próximos anos?
Como o mercado de moda pensa sobre esses estilos?
Não tenho a menor idéia se as tribos urbanas vão se multiplicar ou se diluir com o tempo. Mas, penso que o jovem pós-moderno está imerso em um contexto propício para diversas manifestações comportamentais. Da indefinição de valores éticos e da fugacidade da era digital podem surgir tribos urbanas sem roteiros ou novos enredos com elencos que nos surpreendam a todos. O mercado da moda só tem a ganhar com a plasticidade das tribos urbanas. Não são elas que buscam referências na passarela; são elas certamente fontes de ineditismos revigorantes para os criadores de moda. Quanto a isso, não tenho dúvidas.
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1 O que a moda representa na nossa sociedade?
Entendo a moda contemporânea como um fenômeno que lança luz sobre o espírito do nosso tempo, marcado por contradições de todas as ordens, das quais destaco:
a) Globalização e glocalização;
b) Individualismo exacerbado e ascensão de comunidades (tribos urbanas, comunidades virtuais);
c) Coisificação do corpo e tomada de consciência da corporeidade;
d) Estereótipos e padronização da aparência e democratização da moda.
Explico. Desde as décadas de 1980 e 1990 muito tem se falado sobre a globalização da cultura, da economia e da sociedade, assegurada sobretudo por políticas de cunho neoliberal. A globalização desconhece fronteiras e particularismos, mas com ela surge também, como que num processo dialético, a glocalização que corresponde à valorização dos regionalismos e das particularidades culturais de países e regiões.
Quanto ao individualismo, podemos dizer que há muito, perdeu-se a noção do todo. O individualismo em todas as suas manifestações tem repercutido no predomínio do egoísmo que compromete o bem estar social. Mas, como se cansados da solidão, vemos nascerem a cada dia tribos urbanas, comunidades de interesse, comunidades virtuais, que de alguma forma resgatam a troca (ideológica, estética, psicológica, existencial).
No que se refere ao corpo, sabemos também que desde a década de 80 o corpo “perde”seu status biológico assumindo a posição de objeto, passível de ser modificado, transformado, vendido, qualificado, desqualificado, amado e odiado. Se por um lado essa modificação teve um aspecto mercadológico indiscutível, podemos dizer que concomitantemente a isso tem ocorrido a posse do mesmo corpo por sujeitos livres para aderirem à arte do corpo (tatuagem, piercing) e às modificações corporais (body modification) por exemplo, como manifestações de sua corporeidade, ou seja de um corpo que pensa, questiona, reflete, reivindica, que tem autonomia.
Finalmente, no que tange à padronização e democracia da moda, penso que hoje temos o privilégio de sermos iguais se assim o quisermos, e de sermos diferentes sem sermos excluídos. E isso é fantástico. Do ponto de vista prático, a moda hoje passa por um dos seus momentos mais interessantes por assumir a diversidade, de formas, cores, texturas, conceitos e, como não poderia ser diferente, de consumidores de moda. O mimetismo parece não prevalecer e a insistência na vitimização do individuo no que diz respeito à ditadura da moda corresponde a um arcaísmo pouco justificável.
2 Qual o motivo das pessoas se identificarem e buscar um estilo próprio dentro das tribos? A senhora acha que seja uma questão de sobrevivência, segurança?
O ser humano tem um instinto gregário, não se satisfaz com a solidão. A alteridade é imprescindível para sua humanização. É através do outro que o individuo se constitui. Nesse sentido, penso que as tribos urbanas são apenas indivíduos agregados a partir de uma teatralidade que envolve gestos, indumentária, linguagem, produções simbólicas. Inserido em uma tribo, o indivíduo se fortalece e se sente inserido no todo. Vejo as tribos urbanas como algo natural e que responde, à sua maneira, ao individualismo exacerbado que empobrece e enfraquece ainda mais um ser que nunca foi forte ao ponto de prescindir do outro.
3 Quais os aspectos positivos e negativos de seguir um determinado estilo; punk, hippie, clubbers...
Penso que se o indivíduo participa de uma tribo urbana por convicção, por ideologia, e adere com paixão à sua configuração estética, ética, política e cultural, não há nenhum prejuízo no processo de solidificação de sua identidade. Contudo, se o que motiva a participação do individuo em uma tribo é apenas fragilidade estética, ética, política e cultural sua aderência ao grupo não vai assegurar o que ele precisa. Talvez isso explique a existência de tribos urbanas violentas, neonazistas, preconceituosas.
Os hippies e os punks na sua origem tiveram um papel subversivo, ideológico e cultural muito importante. Cada um a seu tempo e à sua maneira contestaram a hipocrisia e a marginalização sócio-econômica com originalidade e sobretudo com bases reflexivas bastante claras. Os clubers por sua vez, deram leveza e cor principalmente aos anos 80, década marcada pela apatia ideológica. Aqui, indiscutivelmente, temos uma tribo marcada pela teatralidade a que me referi anteriormente. E penso que a teatralidade, a ludicidade e a fantasia de maneira geral são relevantes na concepção de formas alternativas de se inserir no todo.
4 No seu ponto de vista quais as tendências dessas tribos para os próximos anos?
Como o mercado de moda pensa sobre esses estilos?
Não tenho a menor idéia se as tribos urbanas vão se multiplicar ou se diluir com o tempo. Mas, penso que o jovem pós-moderno está imerso em um contexto propício para diversas manifestações comportamentais. Da indefinição de valores éticos e da fugacidade da era digital podem surgir tribos urbanas sem roteiros ou novos enredos com elencos que nos surpreendam a todos. O mercado da moda só tem a ganhar com a plasticidade das tribos urbanas. Não são elas que buscam referências na passarela; são elas certamente fontes de ineditismos revigorantes para os criadores de moda. Quanto a isso, não tenho dúvidas.
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