quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

REMINISCÊNCIAS: do primeiro contato

Não sei ainda qual a verdadeira identidade desse blog. Ainda que tenha sido uma experiência interessante que me obriga a brincar com as palavras, minha única certeza é que a unilateralidade não me seduz em nenhum aspecto. Por isso culinária, fotografia, moda, reflexôes, etc etc etc.......
hoje, abro aspas para minhas reminissências!! Me permito postar duas das únicas experiências intelectuais que tive na adolescencia e que me acompanham ... Vinicius de Morais (de novo) e Castro Alves. Talvez tenha lido precocemente .... talvez guardei a experiência para entendê-la quando pudesse, mas desde muito, muito tempo, acho isso bonito.
Acho que arte é isso, prescinde da razão, da experiência, nos toca ainda que não saibamos decifrar a lingua do poeta, o traço do artista....

SONETO DE FIDELIDADE
VINICIUS DE MORAIS

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes e com tal zelo, e sempre e tanto
que mesmo em face do maior encanto
dele se encante mais meu pensamento.
Quero vive-lo em cada vão momentoe em seu louvor hei de espalhar meu canto
e rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou ao seu contentamento.
E assim quando mais tarde me procure
quem sabe a morte, angustia de quem vive
quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.




VOZES D'AFRICA
CASTRO ALVES

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?...
Qual Prometeu tu me amarraste um dia Do deserto na rubra penedia - Infinito: galé! ...
Por abutre - me deste o sol candente, E a terra de Suez - foi a corrente Que me ligaste ao pé... O cavalo estafado do Beduíno Sob a vergasta tomba ressupino E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja, Quando o chicote do simoun dardeja O teu braço eternal. Minhas irmãs são belas, são ditosas... Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes Embala-se coberta de brilhantes Nas plagas do Hindustão.
Por tenda tem os cimos do Himalaia... Ganges amoroso beija a praia Coberta de corais ... A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do Deus Brama, - Pagodes colossais... A Europa é sempre Europa, a gloriosa! ... A mulher deslumbrante e caprichosa, Rainha e cortesã.
Artista - corta o mármor de Carrara; Poetisa - tange os hinos de Ferrara, No glorioso afã! ... Sempre a láurea lhe cabe no litígio... Ora uma c'roa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz. Universo após ela - doudo amante Segue cativo o passo delirante Da grande meretriz.
Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada Em meio das areias esgarrada, Perdida marcho em vão! Se choro... bebe o pranto a areia ardente; talvez... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente! Não descubras no chão... E nem tenho uma sombra de floresta... Para cobrir-me nem um templo resta No solo abrasador... Quando subo às Pirâmides do Egito Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor!..."
Como o profeta em cinza a fronte envolve, Velo a cabeça no areal que volve O siroco feroz... Quando eu passo no Saara amortalhada... Ai! dizem: "Lá vai África embuçada No seu branco albornoz. . . " Nem vêem que o deserto é meu sudário, Que o silêncio campeia solitário Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra Boceja a Esfinge colossal de pedra Fitando o morno céu. De Tebas nas colunas derrocadas As cegonhas espiam debruçadas O horizonte sem fim ... Onde branqueia a caravana errante, E o camelo monótono, arquejante Que desce de Efraim Não basta inda de dor, ó Deus terrível?! É, pois, teu peito eterno, inexaurível De vingança e rancor?... E que é que fiz, Senhor? que torvo crime Eu cometi jamais que assim me oprime Teu gládio vingador?! Foi depois do dilúvio... um viadante, Negro, sombrio, pálido, arquejante, Descia do Arará... E eu disse ao peregrino fulminado: "Cão! ... serás meu esposo bem-amado...
- Serei tua Eloá. . . "
Desde este dia o vento da desgraça Por meus cabelos ululando passa O anátema cruel. As tribos erram do areal nas vagas, E o Nômada faminto corta as plagas No rápido corcel. Vi a ciência desertar do Egito... Vi meu povo seguir - Judeu maldito -Trilho de perdição. Depois vi minha prole desgraçada Pelas garras d'Europa - arrebatada -Amestrado falcão! ...
Cristo! embalde morreste sobre um monte Teu sangue não lavou de minha fronte A mancha original. Ainda hoje são, por fado adverso, Meus filhos - alimária do universo, Eu - pasto universal...
Hoje em meu sangue a América se nutre Condor que transformara-se em abutre, Ave da escravidão, Ela juntou-se às mais... irmã traidora Qual de José os vis irmãos outrora Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço Role através dos astros e do espaço Perdão p'ra os crimes meus! Há dois mil anos eu soluço um grito... escuta o brado meu lá no infinito, Meu Deus! Senhor, meu Deus!!...


Angela R.

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